Profissionais da EJA da rede pública municipal de Natal iniciam Abaixo Assinado contra o fechamento de turmas.

 Os profissionais constituíram Grupo que está fazendo circular Abaixo Assinado que pode ser assinado mediante acesso ao link: https://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/54255. O conteúdo do Abaixo Assinado, que será entregue à Secretaria Municipal de Educação, Conselho Municipal de Educação, Comissão de Educação da Câmara Municipal e Ministério Público, tem o seguinte conteúdo.

A EJA NO MUNICÍPIO DE NATAL: BAIXA MATRÍCULA É FALTA DE POLÍTICA

Trabalhadore(a)s em educação, cidadã(o)s estudantes e gestore(a)s de escolas que oferecem a modalidade EJA na rede pública municipal de Natal encontram-se mobilizados, mais uma vez, comprometidos de que o direito à educação para pessoas acima de 15 anos de idade que queiram iniciar ou retomar seus estudos interrompidos, não lhes seja retirado.

Nos últimos dias, gestore(a)s de escolas da rede pública municipal têm sido procurados, por contato telefônico, pela SNOE (Setor de Normas e Organização Escolar), no sentido de que devolvam ao setor de recursos humanos aquele(a)s professore(a)s que atuam na EJA, nos casos em que o número de matrículas registradas por essas escolas, para a modalidade, estejam abaixo do que o Setor considera como adequado.

A primeira questão que surpreende é que essa iniciativa aconteça sem amparo de qualquer portaria ou decreto da própria secretaria municipal de educação que defina os critérios e as condições em torno das quais uma turma deve ser aberta ou encerrada, dentro de uma unidade escolar, no que tange a oferta da modalidade EJA. Se existe, não é do conhecimento do(a)s gestore(a)s, ou não há registro de que tenha sido confeccionada ou aprovada após transparente discussão com as comunidades escolares. Até onde sabemos, em momento algum o Setor de EJA da Secretaria convidou as comunidades escolares para debaterem e decidirem um protocolo operacional que defina de que forma e sob que condições turmas da modalidade devem ser abertas ou podem ser desativadas, decisões que devem ser tomadas – sempre – com uma preocupação anterior que é: como garantir o direito à educação para o público demandante da EJA.

Nesse caso, portanto, o que estamos assistindo não apenas é uma ação burocrática unilateral e autoritária – porque não pactuada anteriormente com as comunidades escolares –, como contrária ao princípio da garantia do direito à educação ao público demandante da EJA, porque desconsidera qualquer possibilidade de que as gestões da escola, junto com as comunidades escolares em seu entorno, possam ampliar as matrículas já realizadas. 

É verdade que as escolas têm tido uma baixa matrícula na modalidade EJA. E essa realidade não é apenas um desafio cuja resolução se dá no âmbito de uma determinação burocrática, mas que exige a construção de uma política municipal para a EJA, que considere, inclusive, o que já está previsto na legislação educacional para a modalidade e que pouco é observada.

No atual contexto, entre as causas dessa baixa matrícula estão aquelas relacionadas às condições de vida e de trabalho do público demandante da EJA, especialmente neste momento de persistência da pandemia do COVID-19. O público dessa modalidade é formado por pessoas jovens e adultas que ou estão imersas no mundo do trabalho – a grande maioria delas de forma precária – ou vivem os efeitos da condição de pobreza resultante da contração do emprego em nosso país. Com efeito, sob a pandemia, tiveram toda sorte de dificuldades para conduzirem suas atividades escolares, inclusive, aquelas decorrentes de não terem equipamentos de informática e pacote de dados de internet capazes de suportarem as tentativas de implementação de um ensino no formato remoto.

Como não houve (e não há) uma política nacional, estadual ou municipal que atenda ao equacionamento desses problemas, e considerando que a realidade da pandemia ainda não está totalmente sob controle, muito naturalmente os sujeitos que já se encontravam matriculados nas escolas têm se mostrado relutantes em renovar sua matrícula.

Mas, se há de fato um desejo de garantia do direito à educação para as pessoas jovens e adultas, por parte da SME, seu movimento não deveria ser o de negação ou constrangimento à abertura de turmas, mas o contrário: fazer uma ampla mobilização e recenseamento público (previsto, aliás, na nossa legislação educacional e nunca realizada) de modo a identificar quem e quantos são aqueles e aquelas demandantes da EJA. Uma vez, identificado(a)s e mapeado(a)s, aí, sim, preparar as escolas e os seus/suas profissionais para o acolhimento dessas pessoas, na diversidade de condições que vivenciam para a frequência às atividades escolares.

O problema é que na rede pública municipal de Natal, praticamente só temos uma forma de atendimento. Mesmo assim, uma cópia mal planejada do modelo como se organiza o chamado ensino regular. A oferta de EJA em nossas escolas municipais é pensada em um formato fixo para pessoas cujas vidas são atravessadas por imprevisibilidades amplificadas dramaticamente nesses tempos de pandemia.

Pior do que isso, a definição da quantidade de matrículas a serem ofertadas ano a ano é feita com base em critérios duvidosos e pouco claros, normalmente, considerando, para o período seguinte, o número da matrícula final do período anterior. De modo que o sistema opera não pela lógica da promoção do direito, mas do reconhecimento de sua própria falência em garantir o direito, já que desde 2007 a taxa de matrículas só tem caído. Naquele ano, quando começou a ser implementado o FUNDEB, a rede pública municipal de Natal havia matriculado pouco mais de 9 mil pessoas. Ano passado esse número foi de pouco mais de 5 mil. Vale lembrar que, segundo a PNAD Contínua, do IBGE, em 2019, o número de natalenses com mais de 14 anos de idade sem instrução ou menos de 5 anos de estudo (ou seja, em grande parte, público da EJA) era de 88 mil pessoas. A pergunta que não quer calar é: qual a política da SME para reduzir esse contingente?

Dizer que a matrícula é pequena por causa da demanda baixa sugere não apenas que esse público “não tem interesse em estudar” (individualizando as responsabilidades, numa perspectiva bem preconceituosa), mas esconde a própria responsabilidade do ente municipal nisso tudo, na medida em que não oferece atendimento diversificado, adequado às especificidades desse público, nem, sequer constrói, com as unidades e comunidades escolares, estratégias de busca ativa para o mapeamento e mobilização dessas pessoas. A SME simplesmente as esquece, com ou sem a conivência de parte do(a)s gestore(a)s.

Parece ter chegado a hora de se pensar a EJA não de forma improvisada e aleatória. Aqueles alguns pouco(a)s profissionais da rede que, voluntariosamente, mandam mensagens em grupos de whatsapp, colocam faixas em escolas ou fazem circular carros de som pelos bairros da cidade, chamando as pessoas com mais de quinze anos para se matricularem na EJA de suas respectivas unidades escolares, devem ser exemplos para que a SME realiza uma verdadeira Chamada Pública, com material de divulgação em todos os espaços (inclusive em sua página da internet).

Aquele(a)s profissionais da EJA que em seus cotidianos têm flexibilizado a rigidez do currículo oficial, devem ser convidados para um amplo e coletivo processo de reorganização curricular para que as pessoas jovens e adultas que pretendem iniciar ou retomar seus estudos, possam realizar esse desejo recebendo do sistema educacional formatos que se adequam às suas condições de vida e expectativas de  aprendizagem, e não modelos que reproduzem a chamada escolar regular, de onde já saíram carregando enormes frustrações. 

A pandemia trouxe desafios impensáveis para todos nós. Os professore(a)s tiveram que redefinir rotinas, reinventarem metodologias e colocarem suas residências, suas contas de energia e seus equipamentos para dar conta de situações para as quais nunca haviam sido formados. Os getore(a)s, igualmente, tiveram que pensar soluções e estratégias complexas para o enfrentamento dessas situações. 

Mas, tudo o que é aparentemente insuperável ou complexos pode e deve ser enfrentado não com ações isoladas e burocráticas, mas a partir do debate aberto e coletivo com todos os segmentos envolvidos. Implica, portanto, um mutirão, de caráter intersetorial, mas que tenha como princípio, antes de tudo, a garantia dos direitos dos cidadãos e não sua negação.

Comentários

  1. Negação de direito social básico. Um verdadeiro absurdo que deve ser enfrentado.

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  2. Negação de direito social básico. Um verdadeiro absurdo que deve ser enfrentado.

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