Paulo Freire, Independência e Sujeitos da EJA: um breve relato sobre um 19 de setembro.

Por Edkalb Mariz, Professora ejeana do CEJA Senador Guerra- Caicó/RN

Aos 19 de setembro de 2022, numa segunda feira, o grande patrono da Educação no Brasil, Paulo Freire, completaria 101 anos. E enquanto Centro de Educação de Jovens e Adultos Senador Guerra, nós professores, professoras, apoio pedagógico e gestão, desenvolvemos uma aula coletiva ao longo dos três turnos para relacionar Paulo Freire, Bicentenário da Independência e os sujeitos da EJA. Três elementos essenciais para se debater sobre essa modalidade, em tempos de ausência de políticas públicas nacionais.

Foi um momento de muitas falas, escutas e silêncios. A aula foi guiada com o seguinte tema: " Bicentenário da Independência do Brasil: que independência é vivenciada pelos sujeitos da EJA?"

Iniciamos ouvindo os sujeitos ejeanos sobre o que compreendem por independência; se eles se sentiam independentes; ou se ainda estavam por conquistar essa independência. 

Feitos esses questionamentos, falamos sobre a independência do Brasil, enquanto um fato histórico que não teve início, nem fim, no 7 de setembro de 1822, mas que estava ainda em processo de construção, que precisava incluir a todos, todas e todes. 

Com a criação do fato histórico restrito à data em si, imortalizado na tela de Pedro Américo, encomenda de Pedro II para dar glamour e ares de heroísmo ao acontecimento, o que tivemos, na realidade, foi uma independência excludente e voltada para o fortalecimento do protagonismo do homem branco, proprietário de terras e escravista.

Nesse momento, trouxemos a discussão referente a uma independência ainda hoje muito voltada aos festejos e enaltecimento dos símbolos nacionais, e como diz a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, uma data que deve ser abraçada no sentido do seu questionamento, do provocar o debate público e reflexões pela sociedade civil. Ocorre, porém, que, assim como ocorreu nos festejos alusivos aos 150 anos da Independência, em 1972, durante a ditadura civil-militar, as comemorações vêm sendo sequestradas e celebradas, basicamente, pelos militares. 

Para fomentar a discussão do tema, cantamos a letra do Hino da Independência, apresentamos a bandeira do Império e a bandeira republicana, e aproveitamos para traçar um diálogo do tempo presente com o passado colocando o sujeito ejeano como centro desse debate. 

Na discussão em torno da letra do hino, foram feitas perguntas sobre o papel de uma mãe, relacionando-as com os versos do Hino da Independência - "Já podeis da Pátria filho, ver contente a mãe gentil, já raiou a liberdade no horizonte do Brasil" -: a Pátria mãe gentil, como no passado, está sendo ausente no cuidado com seus filhos, os cidadãos/cidadãs, trabalhadore(a)s brasileiro(a)s? Ou, ao contrário, está cuidando, gerando emprego, renda, educação de qualidade e acesso a saúde para todos, todas e todes? 

Diante das respostas dadas pelos estudantes, aproveitamos para falarmos que não é da exaltação de símbolos que precisamos, mas de uma Pátria acolhedora, cuidadora, que acolha a população brasileira dentro de suas especificidades e diversidade, tornando-a uma Pátria de cidadãos e cidadãs atuantes, e não meros expectadores, passivos, que somente assistem a configuração política de uma nação que não os abraça, pois as suas vozes não são escutadas, por seu grito ser reprimido. 

Assim, mostramos que somos uma nação ainda em construção, onde sonhamos e lutamos por uma independência plural, que acolha as comunidades indígenas, quilombolas, LGBTQIA+, e que, acima de tudo, possamos desconstruir o machismo e racismo, estruturais em nossa sociedade. 

Queremos um país onde a liberdade possa ser conquistada e vivida por todos, todas e todes. Mas, essa ainda é uma liberdade distante e essa distância se justifica, entre tantos fatores, pela derrubada recente de várias conquistas do(a)s trabalhadore(a)s brasileiro(a)s, além do mais imperativo mal que voltou a atingir o Brasil: a fome. Uma perversidade denunciada, neste contexto republicano, por escritores e poetas como Solano Trindade, Manuel Bandeira e Carolina Maria de Jesus. 

E foi com essas três figuras que abordamos essa temática em comum entre eles, vivenciados em momentos históricos diferentes de nossa República, a partir dos textos “Tem gente com fome”, "O Bicho" e alguns trechos do livro “Quarto de Despejo”, em que Carolina dá cor à fome - ela é amarela - e a define como professora para qualquer político que se propõe a governar o país, partindo do pressuposto que a tenha vivido, passado por essa miséria humana e social.


Seguindo essa trilha da fome como flagelo ainda tão forte, resultado da ausência de políticas públicas de geração de emprego e renda, aproveitamos para discutirmos quais seriam os fatores que hoje justificam nossas salas de aulas estarem tão vazias de alunos, esperança, calor humano, e entre os pontos elencados , identificou-se a questão da merenda escolar para essa modalidade, cujos recursos financeiros são insignificantes, resultando em uma alimentação de baixo valor calórico, pouco atrativa e incapaz de atenuar a fome de muitos pais e mães de família que estão desempregados ou sobrevivendo da informalidade e estão ali, tentando iniciar ou retomar seus estudos.

E por último, não poderíamos deixar de agradecer a participação da diretora da 10a. Direc, profa. Suenyra Nóbrega, e da assessora pedagógica da EJA, Aparecida Lima, por terem compartilhado dessas reflexões conosco e, inclusive, participado de uma roda de conversa com os estudantes do turno vespertino. 

Em especial, a nossa diretora Suenyra por nos estender aos mãos, e se sensibilizar com esse esvaziamento que estamos tendo em nossas salas de aula, e não medir esforços em nos apoiar na luta por uma EJA VIVA, PULSANTE. Talvez, se estivéssemos vivenciando a nível estadual um governo não progressista, nossas salas de aulas ejeanas já teriam fechado suas portas.

Viva Paulo Freire!

Vida longa a EDUCACAO de Jovens e Adultos!

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