FOI sobre isso que falamos e compartilhamos na EJA nessa semana do 8 de março de 2022

(Experiência vivida por uma professora ejeana do Seridó)

Primeiros dias de aula de um ano letivo, que precisou ser interrompido por uma greve, e retornamos  para nossas salas de aula ejeanas, exatamente na semana em que discutimos o dia da mulher, dentro de uma perspectiva de  uma conquista por direitos sociais, políticos e trabalhistas. E, obviamente, precisamos criar, tecer, um debate significativo no espaço da sala de aula com todos os sujeitos, sejam homens e/ou mulheres, cis, trans, indígenas, negros/as, quilombolas. E no tocante a diversidade desses sujeitos, precisamos refletir sobre as histórias de opressões e exclusões que cada uma dessas mulheres carregam  consigo. Todas nós mulheres somos protagonistas de histórias silenciadas, somos sujeitos de uma sociedade que nos pune, agride e mata pelo machismo, pelo poder tirano de um patriarcalismo que se constrói e reconstrói numa dinâmica que "naturaliza" o lugar dos homens - que mandam - e o nosso - de mulheres submissas e frágeis .

E eis que na EJA, como mulher, me deparo com várias outras mulheres. Sendo que estas são mais valentes, pois já passaram por enfrentamentos de violências que não sei até onde eu suportaria ou conseguiria superá-los. Mas elas conseguiram e continuam na luta, almejando vencer. E por isto, estão nesse espaço - as salas de aula - se reerguendo, se recuperando, de um apagamento social, de uma vida violentada pelas opressões de um casamento tóxico; meninas que logo perderam a inocência da infância por terem assistido, com apenas 6 anos de idade, o assassinato da própria mãe, a punhaladas, pelo simples fato de essa mulher estar encorajando outra mulher a sair de uma relação doentia. E dessa forma, temos um relato de uma jovem mulher que perdeu, logo cedo, o abraço e o carinho maternos, numa situação parecida com a que aconteceu com a historiadora Beatriz Nascimento. Ambas, vítimas de feminicidio pelos companheiros de suas amigas.  

Na EJA, encontramos outras mulheres, que buscam a escola, não apenas porque, antes, eram impedidas por seus companheiros, mas porque a maternidade precoce (aos 14, 15 e 16 anos de idade) interrompeu um ciclo de suas vidas e, acima de tudo, sonhos que vinham sendo planejados, até então. E com a interrupção desses, passaram a se dedicar apenas aos cuidados com o outro, ou seja, uma criança-jovem cuidando de uma criança-bebê, e muitas vezes, numa relação solo, afinal, abandonadas pelos seus companheiros .

Ao longo dessa semana, ouvi também outras histórias inspiradoras pela coragem de mulheres que dão duro, zelando de covas em cemitério, a partir das 4 horas da manhã, para, logo em seguida, realizarem atividades como diaristas, e a partir das 13 horas ainda buscarem alternativas de sobrevivência como "passar" jogo de bicho na calçada de um supermercado, pois mesmo com essas três atividades diárias, o que ganham não dá para garantir seu sustento e de seu filho.

Ainda recebemos outros relatos marcados pelo racismo, como o de uma mãe negra, cuja maternidade de sua filha foi questionada, pelo fato de ela ter nascido com um fenótipo de pele esbranquiçada e cabelos lisos. 

E para encerrar com tantas narrativas de mulheres ao longo de 4 dias, concluo esta noite (e este relato) com a fala de mais uma ejeana que revela em que condições engravidou de seus dois filhos quando seu ex companheiro estava privado de liberdade na Penitenciária João Chaves, em Natal. À época, ela largou tudo, esqueceu de si mesma, para dedicar-se a ele, fazendo-lhe visitas íntimas, levando-lhe comida. Ainda por cima, se submetia à rotina de ser levada ao  ITEP, para averiguação se ela conduzia drogas em sua vagina. 

Como "recompensa" a todos os cuidados que teve com a vida de seu companheiro (que passou 4 anos nesse presídio, onde foram gerados seus dois filhos), no dia que os portões da João Chaves se abriram para ele, ela estava lá, com um bebê nos braços e outro na barriga, e juntos seguiram para sua casa. 

Dias depois, mesmo grávida, passou a ser espancada por ele e trocada por outras mulheres, até que após o nascimento de seu caçula, ao sair do hospital, é comunicada de sua morte, alvejado por chuvas de bala em uma troca de tiros com a polícia. E ela (a aluna) segue dizendo: na hora fui dura comigo mesma, não chorei, respirei aliviada por saber que minhas dores, mesmo que não fosse o que eu desejava para ele, de alguma forma, respingaram no seu corpo baleado, tomado todo por sangue, desconfigurando-o  por inteiro.

A todas essas mulheres, meu respeito. E que continuemos, gritando, gritando muito, para que nosso grito ecoe longe, muito longe. E não importa se seremos tachadas de loucas, tristes ou más. Apenas somos Marias, Dandaras, Malês que procuram um mundo justo que nos proporcione direitos e acima de tudo igualdade de gênero.

Este é um relato de uma professora que pediu para não ser identificada, mas se você, professor(a) atuante na EJA deseja publicar seus relatos e opiniões relacionados às suas vivências na EJA, aqui em nosso blog, faça contato conosco pelo email: ejaemmovimento@gmail.com

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