Projeto de Coral desenvolvido no CEJA Lia Campos é finalista do XXI Prêmio Arte na Escola Cidadã

O Prêmio Arte na Escola Cidadã é o maior prêmio de arte-educação do Brasil, voltado exclusivamente para professores de Arte, promovido pelo Instituto Arte na Escola.
O Prêmio tem como objetivo identificar projetos transformadores no ensino de Artes, a partir de um mapeamento de trabalhos desenvolvidos em escolas das cinco regiões do país.
Em 2019, um projeto desenvolvido no CEJA Senador Guerra em Caicó, coordenado pelo professor Jailson Valentim dos Santos, foi premiado. Este ano, mais um projeto desenvolvido com o público da EJA, daqui do Rio Grande do Norte, entra no rol de selecionados.
Aqui trazemos entrevista realizada com a professora Deise Crispim, coordenadora do Projeto Coral CEJA, do CEJA Lia Campos, finalista do Prêmio Arte na Escola Cidadã (para saber mais sobre o Prêmio, acessar Prêmio Arte na Escola 2020, realizada por email.

O que significa para você ter seu projeto selecionado entre os finalistas do XXI Prêmio Arte na Escola Cidadã?

Uma grande vitória, independente do resultado que está por vir! 
Foram 1200 projetos de Arte inscritos (de todos os lugares do Brasil), representados pelas suas linguagens: artes visuais, música, dança e teatro, divididos em cinco categorias: ensino infantil, ensino fundamental I e II, ensino médio e EJA, dos quais apenas 20 são finalistas, sendo 4 para cada modalidade de ensino. Então, ficar entre os quatro melhores projetos de EJA, com um projeto de música/canto coral, em um dos maiores prêmios destinados a professores de Arte do país, é um privilégio. Acredito que este resultado evidencia positivamente a área de conhecimento e componente curricular Arte, que enfrenta ainda muito preconceito, por alguns que a desvalorizam colocando-a como menos importante em relação às demais, assim como também traz notoriedade ao Ensino de Jovens e Adultos - EJA, uma modalidade de ensino tão esquecida, sem tanta visibilidade e investimentos, como nós bem sabemos. 

Fale sobre seu projeto (quando surgiu, seu conteúdo e objetivos, quem participa, a metodologia)

O Centro de Educação de Jovens e Adultos Professora Lia Campos, um dos dois únicos CEJA’s da cidade do Natal-RN, recebe alunos do Ensino Fundamental e Médio, nos três turnos. E, assim como outros, enfrenta problemas, desde a falta de infraestrutura, evasão, indisciplina, até a presença de drogas em seu ambiente.
Dentro da nossa realidade, alguns dos nossos alunos (repetentes, cumprindo medidas socioeducativas, ou sem estudar há anos e até décadas), frequentam as aulas, por no máximo dois meses consecutivos, ou esporadicamente, sem compromisso com a escola e com o conhecimento, evadindo-se, consequentemente. Muitos deles carregam um histórico de abandono familiar, violência, envolvimento com o tráfico de drogas (principal motivo da perda precoce de alguns), necessidade financeira, carência afetiva, baixa autoestima, afetando inclusive no rendimento escolar, pela descrença na própria capacidade de produzir, fazer, aprender, ser!
Nesse cenário surge o projeto Coral CEJA, da conversa informal entre os professores sobre as problemáticas narradas acima e as preocupações intrínsecas de quem vivencia a educação.
A arte, dentro do projeto, desponta não apenas como área de conhecimento, componente curricular obrigatório que exige notas e frequências, mas a arte que vibra, ecoa, movimenta, contagia, provoca, une, diverte, ensina, revela talentos e impulsiona a querer mais a arte dos sons, a linguagem da música especificamente o canto coral, por ser uma modalidade coletiva, alcançando um maior número de pessoas, utilizando o instrumento único, individual, exclusivo e sem custo, sendo o mais democrático, porém, imprescindível a voz!
No ano de 2018 tendo em vista os problemas mencionados acima e a necessidade de um projeto integrador, atrativo e prazeroso, o coral surge no segundo semestre, unindo alunos e professores do turno matutino.
Este projeto inicial foi aplicado dentro da disciplina de Arte, em duas turmas do Ensino Fundamental. Dentre os conteúdos aplicados na disciplina, envolvendo as linguagens da Arte artes visuais, dança, teatro e música (não excluindo nenhuma delas, necessárias ao conhecimento amplo da área), o canto coral foi bastante enfatizado em algumas atividades, deixando os familiarizados e preparados para a prática que viria a ser executada posteriormente.
Com um ambiente propício à musicalização, a inscrição para o projeto canto coral foi divulgada em toda a escola, alcançando os alunos matriculados na disciplina de Arte, de outras disciplinas e blocos, além dos professores do turno.
Não realizamos audição, teste ou seleção criteriosa, de acordo com as habilidades vocais ou afinação, pelo fato dos objetivos serem, a princípio, a interação entre alunos e professores, a socialização, o comprometimento com a escola, o sentimento de pertencimento, a autovalorização, dentre outras mais, levando-se em conta também que, a arte não deve ser excludente.
Sendo assim, o cantar é para todos; o aprender a cantar é uma construção! E, partindo dessa premissa, o primeiro ensaio foi um misto de surpresa, por estarem juntos alunos, professores, coordenação pedagógica, numa atividade expositiva de cantar, igualados numa mesma função - coralista! O local escolhido para os ensaios foi a biblioteca da escola, por ser o maior e melhor ambiente para acolher confortavelmente.

Pelo fato dos professores e alunos de outras turmas não estarem acompanhando os conteúdos sobre arte/música, como os alunos matriculados na disciplina de Arte, os ensaios eram iniciados com uma breve exposição a respeito da voz, do seu funcionamento, das técnicas de aquecimento vocal, respiração diafragmática, vocalizes para afinação, postura, divisão de naipes.
Com os bons resultados demonstrados a cada ensaio, como a assiduidade dos alunos e professores (os mesmos compareciam aos ensaios, mesmo em dias que não tinham aulas), compromisso, responsabilidade, interação entre o grupo, a direção tomou a iniciativa de fazer uma  camiseta/farda, como também dar um nome ao recém-nascido coral de alunos e professores, que passou a se chamar CORAL CEJA LIA CAMPOS!
Por fim, dando encerramento ao ano letivo e ao projeto, o coral se apresentou no dia 20 de dezembro de 2018 apresentando um recital temático natalino, com um repertório e textos recitativos fazendo alusão ao período festivo do ano. No entanto, a convite da direção da escola, um grupo pequeno do coral, formado pelos professores integrantes e alguns alunos, se apresentou na confraternização natalina dos professores e funcionários dos três turnos, levando assim ao conhecimento de toda a escola a existência de um projeto de arte integrador, por meio da prática do canto coral.
Com o início do ano letivo em 2019, alguns dos alunos concluíram o ensino médio e saíram da escola, outros foram aprovados e mudaram de turma e nível, como também, muitos novatos se matricularam e passaram a compor o novo quadro, assim como alguns professores que se aposentaram ou foram transferidos para outras escolas, ocasionando a chegado de outros. No entanto, determinados problemas continuaram a existir, pelo fato da escola ser na modalidade EJA, funcionando em blocos semestrais e estar em constante renovação de alunos. Como o primeiro semestre é sempre mais curto por conta dos feriados, às vezes greves e paralizações, como também ser um período de adaptações e ajustes entre alunos, professores e escola, mais uma vez vimos a necessidade de se colocar em prática o projeto de arte, porém interdisciplinar, tendo a participação de professores de outras disciplinas.
Dentre os problemas enfrentados, que foram o ponto de partida para a criação do projeto anterior, narrados acima, um fato inédito e assustador nos mostrou a necessidade de aplica-lo mais um vez a agressão de um aluno à uma professora do turno, levando a ao afastamento da escola e, consequentemente, da sala de aula. Salientamos, porém, que os benefícios angariados com a execução do projeto, foram muito mais instigantes para a criação de um novo projeto, a partir da experiência positiva do antecedente.
Dessa forma, o projeto foi iniciado primeiramente com as duas turmas do ensino fundamental (F 5 e F 6 em sala de aula, dentro da disciplina de Arte, com os conteúdos da linguagem musical.
Partindo do repertório, gosto, estilo e gêneros musicais ouvidos e apreciados pelos alunos das turmas especificadas, vimos o desconhecimento deles em relação à origem e formação da música brasileira, na sua diversidade de ritmos, principalmente nos que se referem a música nordestina. Passamos então a estudar sobre a música indígena, a europeia e a africana nossas principais matrizes, especificamente no que se refere ao folclore brasileiro.
Assim os conteúdos teóricos foram estudados através de textos vídeos músicas gravações jogos musicais como também por meio do contato e manuseio de alguns instrumentos de percussão específicos na execução de determinadas etnias e culturas.
No entanto pela urgência na aplicação do projeto extensivo à toda escola passamos para a implementação do projeto em si com a sua prática através do cantar. A primeira etapa se deu com a divulgação do projeto aos professores novatos e antigos tendo o engajamento de dez deles Em seguida cada professor
expôs o projeto às turmas e fez a inscrição dos alunos dos níveis fundamental e
médio pelo fato da minha pessoa estar apenas dois dias na escola e ter somente
cinco turmas. Os critérios exigidos para a participação no projeto eram estar matriculados na escola e não faltar às aulas e ensaios.
Assim aos 22 dias do mês de outubro fizemos o nosso primeiro ensaio do coral CEJA Lia Campos, na biblioteca da escola onde primeiramente aconteceu a explicação sobre o projeto e o objetivo de cantarmos todos juntos alunos e professores tendo no repertório músicas que contassem a nossa origem a nossa história e a nossa diversidade.
Por conseguinte, formamos um grupo de WhatsApp para que tivéssemos uma melhor comunicação sobre os ensaios como também vídeos e áudios com a divisão de vozes para que fossem enviados e assim facilitar a aprendizagem das músicas. Devido ao pouco tempo que dispúnhamos nos ensaios 50 minutos para trabalharmos as vozes a percussão e o repertório fizemos cópias das músicas e posteriormente pastas para o dia da apresentação.
Tivemos ao todo 35 coralistas, sendo 10 professores e 25 alunos do nível fundamental e médio. Por causa da grade de disciplinas, todas as turmas da escola têm um dia de folga/sem aula durante a semana, o que causou uma rotatividade na frequência durante os dois ensaios semanais (nas terças e quintas feiras), e dificultou o alcance de uma melhor qualidade técnica. , o objetivo maior do projeto - unir alunos e professores através do canto, desde o primeiro dia foi alcançado.
Para efetivação do que havia sido estudado em sala de aula com as turmas do ensino fundamental, como também o conhecimento do assunto pelos demais coralistas professores e alunos de outras turmas através da prática selecionamos um repertório musical que englobasse ritmos regionais e instrumentos musicais originários dos nossos povos formadores da miscigenação brasileira. Dessa forma, escolhemos ritmos como a ciranda (de origem portuguesa e muito praticada em Pernambuco, na região praieira o baião (de origem nordestina tendo o cantor e compositor pernambucano Luiz Gonzaga como o seu maior representante o xote ritmo e dança nordestina mas de origem alemã, além de uma música folclórica africana da República do Congo (Banaha), e outras três adaptadas: Então é Natal (John Lennon/Simone), pela proximidade da data festiva, Só eu sou eu, (Marcelo Jeneci), como reforço da autoestima, e A Paz (Michael Jackson/Roupa Nova), celebrando aquele momento de união e congraçamento na escola. Para acompanhamento instrumental, tivemos o chocalho (de origem indígena o reco-reco e o xilofone (de origem africana o triângulo o pandeiro e a flauta origem europeia dentre outros utilizados nos ensaios escolhidos como complemento ao tema proposto. Os instrumentos foram tocados por alunos pertencentes à uma das turmas do ensino fundamental, que já haviam vivenciado a parte teórica do projeto e a parte prática com a experimentação de atividades com os instrumentos percussivos.

O que você considera mais importante nesse trabalho?

Realizar um projeto artístico, principalmente na área da música e com alunos da EJA, já é de extrema importância, pois há uma certa resistência em relação a exposição desse público em atividades práticas, especificamente quando se trata de cantar, mostrar a voz. Mas, dentre os vários saldos positivos angariados no projeto “Seja aluno ou professor, CEJA CORAL” e que facilmente posso expô-los aqui, sem dúvida o mais importante e que merece destaque, é poder unir duas categorias distintas – aluno e professor, na arte e pela arte, vivenciando-a na prática do canto coral, experimentando sons, tons, vozes, movimentos, sensações, e a adrenalina da transformação – do refeitório em palco, do aluno e professor em artista, da aula em espetáculo, e da escola em verdadeiro espaço acolhedor, possibilitando o ensino e aprendizagem da arte no seu apreciar, produzir e contextualizar, assim como a proposta triangular da arte-educadora Ana Mae Barbosa.

Agradecemos, desde já, à profa. Deise Crispim pela disponibilidade em ceder esta entrevista, torcendo, todos nós, para que dia 25 de novembro, dia da divulgação do Prêmio, possamos ter este trabalho entre os premiados.

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