Negar escola, negar direito, negar esperança a jovens e adultos

Publicamos aqui, artigo do prof. Alessandro Augusto de Azevêdo, publicado originalmente em seu blog e no sítio do SINTE-RN, o qual reproduzimos aqui por tratar de uma questão da realidade da EJA em Natal.


Com o início deste ano letivo, as escolas da rede pública municipal de Natal receberam um comunicado da Secretaria de Educação dando conta de quais, entre elas, deixariam de oferecer matrículas na modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos). No documento, ainda há indicações no sentido de que determinadas turmas de uma escola serão absorvidas por outras escolas.
As principais razões para tal medida, segundo documento da própria secretaria, são: o chamado “desperdício” de matrículas, isto é, quando há uma matrícula que não corresponde à frequência ao longo do período letivo; e – pasmem – “problemas de gestão na condução do processo educativo na EJA, provocando ineficiência nessa modalidade”. Em síntese, a secretaria diz que as pessoas não estão permanecendo na escola depois de matriculadas e há uma ineficiência de sua gestão. Como resposta, ao invés de enfrentar os problemas, a secretaria resolve “jogar a toalha” e reduzir a oferta de matrículas, certamente uma medida mais fácil administrativamente, mas terrível do ponto de vista político-pedagógico.
Imaginemos o que aconteceria se a secretaria de saúde registrasse uma redução do atendimento de pessoas pelos postos de saúde, chegasse à conclusão que esse fenômeno se deveria não à melhoria das condições de saúde das pessoas, mas pela péssima organização e prestação dos serviços e ao invés de melhorar e solucionar os problemas das unidades de saúde, simplesmente as fechasse ou reduzisse a capacidade de atendimento.
Infelizmente, entre as razões apontadas pela secretaria para a redução de matrículas na EJA, não está o aumento das taxas de escolarização entre jovens e adultos considerados “fora de faixa”. Provavelmente a secretaria sequer tenha condições de fazer uma afirmação dessas porque uma de suas tarefas mais elementares, prevista no art. 5o. da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é a de “recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso”, bem como “fazer-lhes a chamada pública. A inoperância oficial em relação a isso revela o vazio de uma política para a modalidade EJA. Assim, ao invés de convocar as comunidades de bairro, os sujeitos jovens e adultos matriculáveis, os professores e os gestores, à construção de um processo de reflexão e reformulação da modalidade, a secretaria opta em aprofundar os índices históricos de redução de matrícula, dado que o número de matrículas na rede municipal de ensino, que em 2001, era de 14205, em 2012 chegou a 6.865, uma queda de 106,9%.
A questão entrou na pauta de discussões entre o Sindicato dos Trabalhadores em Educação, mais pelo impacto que a medida tem sobre a ocupação da carga horária dos professores (provocaria um “desperdício” de professores no quadro), do que por uma percepção da natureza dos problemas e da forma de resolvê-los.
Sabe-se que os problemas que atingem a EJA não são exclusivos da rede pública municipal de Natal. O processo de fechamento de turmas nessa modalidade ocorre em outros municípios, na rede pública estadual e em outras partes do Brasil. Mas o que temos assistido é que há uma atitude generalizada de “pouco caso” – para dizer o mínimo – para com a superação dos problemas.
A EJA, hoje, não é mais uma modalidade formada por “velhinhos analfabetos”, mas por adultos e, sobretudo, jovens, alguns dos quais não tiveram acesso à escola ou tiveram uma trajetória escolar irregular quando crianças e/ou adolescentes. Mas, o que temos (e em larga escala) são aqueles sujeitos “em situação de fracasso escolar”, expulsos do ensino regular para a EJA pelo próprio sistema educacional. E os tais índices de “desperdício” apenas são a indicação estatística de um problema que atinge não apenas a modalidade EJA mas toda a educação básica, especialmente nos seus anos iniciais.
Há medidas possíveis a serem tomadas. No tocante aos profissionais que atuam na EJA, é de conhecimento geral que há uma massa de educadores que não tiveram contato com a temática da EJA em sua formação inicial e mesmo após terem assumido seus cargos na rede pública. Mas há, também, um conjunto deles que traz no currículo a conclusão de uma especialização em EJA, mas que não estão trabalhando na modalidade. Assim, é preciso fazer uma chamada entre esses últimos para que se saiba quais desejam trabalhar na EJA e quantos precisam (e desejam) fazer uma pós-graduação para uma melhor atuação na área.
Em fins da década passada, iniciou-se um movimento importante em toda a rede no sentido de se repensar o currículo da EJA mas que a catastrófica gestão municipal passada simplesmente ignorou. É chegada a hora de se chamar os professores e gestores para uma avaliação desse currículo e se pensar os desafios de implementação de uma nova proposta que reflita os anseios dos professores e as expectativas de saberes e conhecimentos dos sujeitos educandos. E que claramente se conceba a partir da compreensão de que a EJA não pode ser vista como um Ensino Fundamental de “segunda categoria”. A conquista de sua inserção na LDB como modalidade da educação básica não teve por finalidade copiar para a EJA os princípios e práticas do ensino regular. A construção da EJA como modo específico de se fazer educação escolar para um determinado sujeito ultrapassa contorcionismos adaptativos de conteúdos, metodologias, organização pedagógica, prática docente, tempo e espaço escolar do ensino regular. Ademais, é preciso lembrar que a maioria dos jovens e adultos já foram vítimas da rigidez, do tempo e da dinâmica do ensino regular, de modo que reproduzi-la na EJA é condiciona-los a uma nova interrupção na trajetória escolar.
Mas há de se ter, principalmente, uma mobilização, um recenseamento e chamada pública dos educandos, a fim de se oferecer educação escolar pública para aqueles que e a procuram, pois a procura pela escola expressa uma esperança. Esperança dos que ocupam um lugar marginal em nossa sociedade. A opção em atendê-los e buscar qualificar esse atendimento é uma opção não apenas pedagógica, mas política, na medida em que a condição que vivem expressa, antes de tudo, uma opção política de nossas elites em não oferecer às populações subalternas uma educação pública de qualidade.

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