A destruição da EJA na rede estadual de educação pública do RN

Por Alessandro Augusto de Azevêdo

Em novembro de 2016, eu e mais três colegas, professores da UFRN (profs. Marisa Narciso e Alexandre Aguiar) e do IFRN (profa. Edneide Bezerra), protocolamos uma representação junto ao Ministério Público Estadual, questionando os termos da então recente Portaria 1731, a qual integrava o conjunto de medidas da SEEC de "redimensionamento" da rede estadual de educação pública, razão pela qual, inclusive, tivemos ocupações de escolas e do próprio prédio da SEEC.
Naquela representação (seu conteúdo integral pode ser acessado através do link: https://ejaemmovimento.blogspot.com.br/2016/11/professores-protocolam-representacao-ao.html), denunciamos que os critérios estabelecidos unilateralmente pela gestão da SEEC para a abertura de turmas na EJA eram um estímulo à redução de vagas e, portanto, uma medida que, na prática, negava o direito à educação aos jovens e adultos que procurassem estudar, pois, segundo a portaria, para que uma turma de EJA no ensino fundamental fosse aberta seria necessário que houvessem, no mínimo, 30 matrículas, no 1o. segmento (anos iniciais) e 35 matrículas, no 2o. segmento (anos finais) . No caso de uma turma de Ensino Médio, seria necessário, no mínimo, 40 matrículas.
À época, argumentamos ao Ministério Público que tal medida colocava-se na contramão de todas as iniciativas legais que circulam nas comissões legislativas do Congresso Nacional, as quais, via de regra, em nome da qualidade dos processos educacionais, instituem limites MÁXIMOS e não mínimos para a formação de turmas.
Mas, principalmente, apontamos a possibilidade de que houvesse uma efetiva NEGAÇÃO DO DIREITO À EDUCAÇÃO para esses sujeitos, dado que os gestores estariam plenamente legitimados por essa portaria à negarem a abertura de turmas de EJA na medida em que o critério de abertura de turmas estabelecido não condiz com a realidade da demanda pela EJA em nossas escolas.
Pois bem, no último dia 23 de fevereiro, ocorreu nas dependências do Centro de Educação da UFRN a apresentação da dissertação de mestrado da profa. Liz Soares, sobre as ações desenvolvidas pela SUEJA (Subcoordenadoria de Educação de Jovens e Adultos), entre 2000 e 2015, trabalho cujo conteúdo pude ter acesso e eis que lendo-o me deparo com dados relativos à quantidade de matrículas realizadas pela rede estadual de educação na EJA, entre 2015 e 2016, dados estes que apenas confirmam o movimento de destruição da modalidade iniciada pela atual gestão da SEEC.
A seguir, reproduziremos os dados contidos na dissertação, a qual retratam o volume de matrículas apenas em 8 DIREC (que são as instâncias de gestão regional da SEEC) - entre as quais está a 1a., que é uma das maiores dado que congrega escolas da região da Grande Natal.

EVOLUÇÃO DAS MATRÍCULAS DA EJA NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PÚBLICA DO RIO GRANDE DO NORTE (2015-2017).
ANO
1ª DIREC
2ª DIREC
3a DIREC
4ª DIREC
5ª DIREC
6ª DIREC
7ª DIREC
8ª DIREC
2015
12.592
4.059
3.181
1.144
1.204
1.002
402
522
2016
15.756
4.198
3.246
1.405
2.170
2.624
522
454
Variação Percentual
25,13
3,42
2,04
22,81
80,23
161,88
29,85
-13,03
2017
4.431
1.693
1.128
687
614
690
151
32
Variação Percentual
-255,59
-147,96
-187,77
-104,51
-253,42
-280,29
-245,70
-1.318,75
ARAÚJO, Liz. Sertaniando a Educação Básica: um estudo das políticas de acesso à EJA, construídas ou executadas na SUEJA (2000 a 2016). Dissertação de Mestrado. Natal: UFRN, 2018

As quedas de matrículas atingem percentuais assustadores, tão assustadores que é difícil acreditar que sejam resultados apenas do "desinteresse" das pessoas em estudarem e procurarem a modalidade...trata-se, na verdade, de outro "desinteresse", o da atual gestão da SEEC.
Vale lembrar que foi na gestão anterior, sob o comando do prof. Chagas Fernandes, do Partido dos Trabalhadores, que se interrompeu um movimento de queda das matrículas na EJA que vinha acontecendo desde 2008 (com exceções em 2011, quando se obteve um aumento de 2,08% e 2013, quando se alcançou 3,2%), quando as matrículas encontravam-se em 50.100 e chegaram em 2015 a 31.433. Assim é que em 2016 o número total de matrículas na educação básica na EJA aumenta em 5,38% em comparação com 2015, registrando-se 33.127 matrículas.
Os índices negativos que a tabela apresenta gritam por si sós. O que vemos aqui é um ataque virulento ao direito à educação de um determinado conjunto social: aqueles homens e mulheres a que chamam de "mais pobres", cuja trajetória escolar, no geral, foi interrompida e redesenhada pelos tentáculos das nossas desigualdades sociais, visíveis em vários lugares (limpando parabrisas dos carros em semáforos; fazendo serviços de limpeza em empresas terceirizadas ou em casas da nossa classe média e alta; protegendo as ruas onde essas classes se escondem; presos em nossas cadeias...), mas invisíveis pela linha política adotada na SEEC de nosso Estado (sobre a política de EJA da atual gestão da SEEC, ver nossa última postagem no link: https://ejaemmovimento.blogspot.com.br/2018/01/qual-politica-da-seecrn-para-educacao.html)
Para sermos bem honestos, o que a gestão da SEEC está fazendo se coaduna com um movimento de fechamento de turmas de EJA que várias secretarias estaduais e municipais vêm fazendo há alguns anos, inclusive a secretaria municipal de Natal, cujas taxas de matrículas também registram quedas violentas (de 7.018, em 2012, chegou-se a 5.941, em 2016, sendo que já se teve 9.035, em 2007). E não se trata de uma redução resultante de um aumento na taxa de escolarização da população acima de 15 anos. Muito antes pelo contrário, o IBGE aponta o crescimento da demanda potencial da EJA na medida em que registra o aumento de taxas de baixa escolarização dessa população que no Rio Grande do Norte, conforme o PNAD/2016, atinge pouco mais de 922 mil pessoas sem o Ensino Fundamental Completo.
Não nos iludamos, estamos diante de mais um dos golpes enviados ao nosso povo nesse caldo cultural de ataque aos direitos queo penso neoliberal promoveu desde os anos 1990 em nosso país e que desde o Golpe de 2016 que apeou a presidenta Dilma do poder, tem assumido sua face mais cínica.
Provocaremos o Ministério Público para que se posicione diante da publicação desses dados e esperamos que as forças políticas que defendem uma educação pública e de qualidade social também se pronunciem sobre essa situação absurda, afinal, os dados são de 2017...nem gosto de imaginar o que pode nos trazer os dados do Censo Escolar de 2018...

Comentários

  1. Excelente artigo e alerta, ao mesmo tempo. A nossa EJA sempre "rema contra a correnteza". Mas, vamos a luta pela preservação dessa importante modalidade de ensino para boa parte dos esquecidos da nossa sociedade

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