EJA em Movimento discute Projeto Tarralfas

Dia 25 de setembro próximo passado, o Projeto EJA em Movimento realizou mais uma de suas reuniões ordinárias e nela tivemos o privilégio e o prazer de receber o professor José Mateus do Nascimento, professor do IFRN e coordenador do Projeto de Extensão Tarralfas, que é desenvolvido desde 2017, na comunidade de Pirangi do Sul.
Na oportunidade, participaram da apresentação, junto com o professor, outros membros da equipe, como estudantes das licenciaturas do IFRN e os colegas da Secretaria Municipal de Educação de Nísia Floresta.
Foi relatado que a demanda chegou até o IFRN vindo da própria comunidade e a opção teórico-metodológica adotada pela equipe do IFRN partiu das elaborações do Patrono da Educação Brasileira, o prof. pernambucano Paulo Freire.
Assim, nos primeiros encontros, a partir do método analítico de alfabetização paulofreireano, a equipe de educadore(a)s do IFRN partiram à comunidade de pescadores para terem contato com os próprios sujeitos com o objetivo de acessarem e compreenderem as referências culturais e o universo vocabular da comunidade.
Dessas conversas surgiram 20 palavras geradoras para serem trabalhadas nos encontros, dentre elas a palavra "cachaça" apareceu como a mais citada e, por isso, foi escolhida para o início do processo de alfabetização. Inicialmente, foram trabalhadas a imagem e a maturação semântica da palavra, que gerou problemáticas como as consequências do consumo abusivo do álcool. Em seguida, na etapa da escrita foi realizada a artesania da palavra, a composição de suas letras com o uso do abecedário, a separação das sílabas e recomposição em novas palavras através dos grupos silábicos com o auxílio dos grupos alfabetizadores. Nesse processo de descoberta os pescadores indagaram se escrever seria combinar letras.
Um dos desafios para os agentes alfabetizadores foi a negação dos pescadores em irem para uma sala de aula padrão, pelo forte desejo de aprender apenas em sua localidade, por isso tiveram que adaptar as aulas na marina (local onde ficam os barcos) que só depois passaram a ser realizadas na colônia dos pescadores. As aulas foram realizadas de acordo com o que era percebido em cada encontro e as palavras geradoras eram voltadas para a realidade da comunidade como a palavra barco, por isso foram trabalhadas as suas terminologias técnicas e o significado do nome de cada barco para eles durante a realização de uma atividade de dobradura.
"Receita" foi o primeiro gênero textual escolhido que surgiu da necessidade em registrar as receitas feitas pela comunidade. Além do registro das receitas conhecidas por eles, a proposta possibilitou a identificação e criação de produtos, a escrita das quantidades que resultou em aulas de matemática sobre medidas e proporções e no processo de reeducação alimentar dos pescadores que passaram a tomar suco, por exemplo, ao invés de refrigerante nos encontros.
O projeto suscitou questões políticas e sociais na comunidade como a participação de um pescador na rádio conversando sobre o projeto, a emissão de uma nova identidade por um pescador que aprendeu seu nome, conscientização da preservação do meio ambiente a partir de uma aula de campo nos Parrachos, o papel político e social das mulheres que também pescam ou que convivem com a pesca, a produção de cartas, a inclusão digital e a ética nas redes sociais, além da gravação de um documentário na comunidade dos pescadores.
Durante a atividade algumas questões foram discutidas e aprofundadas. Uma primeira delas foi o fato de a Secretaria Municipal de Educação ter reconhecido o projeto como uma das turmas da EJA Anos Iniciais oferecido pela instituição, o que implicou reconhecer, também, um conjunto de particularidades:
(a) as aulas acontecem em um espaço não escolar (local onde os pescadores guardam as embarcações);
(b) a carga horária considera como tempo curricular tanto os momentos presenciais, como os momentos em que os pescadores se encontram no mar;
(c) o projeto acolhe as diferenças de níveis de apropriação da linguagem escrita dentro da turma, de modo que a classificação tem um caráter diagnóstico e não implica distinções dentro da turma;
(d) as diferenças entre faixas etárias não traz dificuldades pedagógicas no projeto.
Outra questão que mereceu destaque foi o fato de que o projeto produziu, como desdobramento, a formação de uma segunda turma, só de mulheres, que buscaram participar do projeto. Inicialmente, houve uma resistência da primeira turma (formada só por homens), mas, após uma discussão coletiva, onde as mulheres se posicionaram questionando a separação, aceitou-se a incorporação das mulheres na turma.
Por fim, discutiu-se o desafio do projeto problematizar e construir com a comunidade de pescadores alternativas de geração de emprego e renda na comunidade, na medida em que há um entendimento de que as fragilidades econômicas de cada um deles adquirirem e manterem embarcações próprias os impele a trabalharem de forma precária e, por isso mesmo, torna a atividade de pescaria artesanal muito pouco atrativa para os jovens da comunidade.
Sobre isso, discutiu-se a possibilidade de se tematizar essa questão na turma e na comunidade e se buscar apoio junto a outros sujeitos institucionais no sentido de proporcionar a construção de caminhos para uma outra/nova forma de organização da produção pesqueira (de preferência sob princípios associativistas ou cooperativistas) e a busca de outras/novas alternativas de trabalho para aqueles que não se interessam no ramo da pescaria artesanal.
Desde já, deixamos aqui nosso imenso agradecimento ao prof. José Mateus por ter dedicado parte de seu tempo para socializar conosco esse importante trabalho, possibilitando a todxs nós nos aprofundarmos em nossas reflexões sobre caminhos pedagógicos para a EJA em nosso Estado.

Comentários

  1. Excelente Programa, parabenizo Mateus e toda equipe do IFRN pelo projeto e metodologia Freireana utilizada. Mais uma importante ação social do IF junto a uma comunidade carente de cultura letrada.Dá muito gosto ver!

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