Segunda Chamada: o ensinar na EJA envolve sensibilidade e humanização da prática pedagógica (reflexões sobre o 2o. capítulo da minissérie)

Por Edkalb Mariz

Uma minissérie que mexe com o imaginário do professor ou futuro professor da EJA, nos levando a duas situações: para os que já estão atuando nessa modalidade de ensino, nos faz perceber que nosso trabalho diário, nossa prática docente, só tem sentido na vida desses alunos, se conseguirmos fazer da sala de aula um lugar de discussões voltadas para os problemas que enfrentam diariamente, como desemprego, preconceito social, racial e violências de todos os tipos, em virtude da orientação sexual, ou identidade de gênero, que fogem ao dito “padrão” cobrado e imposto pela sociedade.
Então, como professores dessa modalidade, temos que nos dar conta que ensinar na EJA é uma oportunidade de nos vermos com habilidades de desenvolver práticas pedagógicas que transformem, envolvam e encantem jovens, homens e mulheres, que vivem uma vida de desespero e desamparado social. São vítimas dos estigmas, rótulos e depreciações oriundos daqueles que vivem numa bolha, desfrutando de benesses (ou do básico que enquanto seres humanos devemos ter), que os excluem, marginalizam e ainda, os invisibilizam.
A outra situação, que podemos também projetar, diz respeito a quem for atuar futuramente nessa modalidade. Muitos, quando chegam - penso nesse momento, em muitos dos estagiários que recebo por ano -, chegam cheios de sonhos, idealizando um modelo de sala de aula, de escola pública, e  principalmente, de alunos dóceis, disciplinados e envolvidos com o processo de ensino aprendizagem.
No entanto, de repente, se deparam com um outro cenário, com identidades, interesses e objetivos diversos, onde na maioria das vezes, não é um conhecimento sistemático e encaixado que desejam na escola. E por se depararem com situações que fogem com o que não aprendemos na universidade, nas aulas de didática, desvalorizam a EJA, desacreditam no seu potencial.
Alguns até chegam a comentar de que vale tanto esforço para estudar, elaborar uma aula, para quando ministrá-la, não encontrar sentido? Se sentem, portanto, inertes, no vácuo, sem verem sentido no que ensinam e para quem ensinam.
Interpretações como essa, muitos de nós fizemos, quando iniciamos nossa atuação docente na EJA. Inclusive eu. Mas, nada como acreditar na educação, no próprio professor e na sua didática, para darmos conta que a EJA é a modalidade que mais exige  de nossa capacidade de ensinar. Pois  ser professor dessa modalidade, requer muito mais do que aprendemos nos livros e “receituários” de o quê, como, por que e para que ensinar.
Lecionar na EJA é ter compreensão de Direitos Humanos, haja vista a ausência destes na vida de muitos desses estudantes. É se descontruir do machismo e perceber que este mata mulheres todos os dias , no Brasil e no mundo e, com isso, falar sobre feminicídio, feminismo e empoderamento das mulheres, diante da negação e desigualdade de gênero que sofremos.
É ainda, se sensibilizar com práticas racistas e homofóbicas que violam os direitos de muitos cidadãos e, inclusive, daqueles que estão  na sala de aula, em frente ao professor, procurando um sentindo para tantas exclusões, ausências e respeito a sua dignidade, existência do ser .
O capítulo do dia 15 de outubro, DIA DO PROFESSOR, explorou os seguintes elementos:
(1) O que se passa  pela cabeça da professora Lucia , quando decide levar para casa, uma criança, filha de uma estudante da EJA (Solange), que por falta de várias oportunidades, tem sua vida entregue ao "Deus dará", e consequentemente, sua criança, a mercê dos infortúnios da vida?
(2) Quando Lúcia vai em busca de Solange, se dá conta do que é a vida de uma mulher, aluna e mãe, que nem mesmo um teto tem mais. Então, como poderia criar um filho?
(3) Um outro retrato dessa realidade, uma professora, Sônia, que dá duro em três expedientes, para sustentar um marido grosso, estúpido, e que ainda vive às custas dessa mulher guerreira.
(4) Todos acham que trabalhar com a EJA é fácil, é só chegar, esperar que o tempo passe, a aula termine, e então, de boa, retorna-se para casa e ganha-se um salário facilmente. Mas, vê-se, de repente, o professor Marco André sentir dificuldades de entrar pela primeira vez, numa turma de EJA, turno noturno, e conseguir chamar a atenção, inicialmente, desses alunos.
(5) Eliete, professora de matemática, se espanta de ver a aluna trans, andar armada com navalha, por se sentir ameaçada pelo preconceito e violências várias que sofre todos os dias.
(6) Juarez, o pai do bebê abandonado por Solange vai à escola pegar a criança, enquanto Lúcia (a professora) pergunta a Juarez, o que aconteceu com Solange e a casa em que ela e o marido viviam.
(7) Jaci é aquele diretor duro, às vezes até carrasco, mas que, no final das contas, deixa claro ter noção de que não dá para solucionar os problemas tão sérios, cruéis  e avassaladores que cercam os alunos da EJA.
(8) Natasha revela para Lúcia que Solange deixou o marido Juarez, porque ele é um matador, faz faxina para bandido.
(9) O professor Marco André ao falar sobre o sentido da Arte para Aristóteles e interrogar os alunos sobre o que entendem por arte, vê que nenhum estava nem aí para sua aula, e prefere, estupidamente, lançar o apagador sobre o quadro.
(10) O aluno Reginaldo que se apaixona pela professora Sonia e é preso por  tentar assedia-la.
Agora pergunto: quantas  situações como essas, ou até mais ou menos complexas, não vivenciamos em nossas sala de EJA? Será que estamos sabendo dar sentido ao ensino da EJA? Ou ainda estamos trabalhando com conteúdos e livros didáticos que se distanciam de tantos problemas enfrentados por esses jovens, homens e mulheres que vencem um dia após o outro, as adversidades da vida?
Para aguçar nossa reflexão: o lugar do professor contemporâneo, e acima de tudo, da modalidade de Jovens e Adultos, é um lugar do transitório, cheio de incertezas e em constante movimento. A sala de aula nos traz surpresas o tempo todo. Fazemos um planejamento e quando chegamos para dar aula, tudo pode mudar, pois é da nossa relação e encontro com os alunos que a aula se dá.

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